A era digital transformou profundamente a forma como lidamos com o patrimônio e com as relações jurídicas. Hoje, grande parte dos nossos bens, informações e lembranças estão armazenados em dispositivos eletrônicos ou plataformas virtuais. Diante dessa realidade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) criou uma nova figura processual inédita no ordenamento jurídico brasileiro: o inventariante digital.
O que é o inventariante digital?
O inventariante digital é um profissional com conhecimento técnico especializado, designado pelo juiz para acessar dispositivos eletrônicos de uma pessoa falecida — como celulares, tablets e computadores — a fim de identificar bens digitais de valor econômico.
Essa figura surgiu para equilibrar dois interesses legítimos: o direito dos herdeiros de conhecer o acervo hereditário e a proteção da intimidade e da privacidade do falecido. O inventariante digital atua como um perito, não como parte interessada, e sua função é puramente técnica: identificar o que pode ou não ser transmitido aos herdeiros.
Origem da decisão que criou o inventariante digital
A Terceira Turma do STJ decidiu pela criação do inventariante digital, no julgamento do Recurso Especial nº 2.124.424, relatado pela ministra Nancy Andrighi. O caso envolveu a morte de seis pessoas de uma mesma família em um acidente aéreo em São Paulo, em 2016.
Os herdeiros buscavam acesso a três tablets pertencentes às vítimas para verificar a existência de bens digitais, como investimentos, contas virtuais, fotos ou arquivos relevantes. Contudo, não possuíam as senhas dos aparelhos.
Diante da ausência de legislação específica sobre herança digital, o STJ adotou uma solução inédita: autorizar o acesso mediante a instauração de um incidente processual próprio, com o apoio de um inventariante digital.
Como é feito o acesso aos bens digitais?
Caso o falecido não tenha deixado senhas ou instruções de acesso aos bens digitais, os herdeiros devem solicitar ao juiz a instauração de um incidente processual específico dentro do inventário, chamado de “incidente de identificação, classificação e avaliação de bens digitais”.
Esse incidente permite que o juiz designe um profissional especializado para realizar o exame dos dispositivos. O inventariante digital, então, verifica o conteúdo dos aparelhos sem quebrar o sigilo das comunicações pessoais, entregando ao processo apenas os dados relevantes à sucessão.
Essa medida evita que herdeiros, magistrados ou empresas de tecnologia tenham acesso irrestrito a informações privadas, o que configuraria violação à intimidade do falecido.
Por que o inventariante digital é importante?
Atualmente, não há previsão legal específica sobre o inventariante digital no Código Civil ou no Código de Processo Civil. A decisão do STJ utilizou a interpretação analógica com outros institutos processuais para suprir a lacuna legislativa.
A criação do inventariante digital representa um marco para o direito sucessório na era digital. A decisão do STJ reconhece que o patrimônio hoje vai muito além de bens físicos, ele também inclui ativos digitais.
Além disso, o instituto protege os direitos fundamentais à intimidade, privacidade e memória da pessoa falecida. Em vez de abrir completamente os dispositivos, o juiz conta com o auxílio de um perito digital, garantindo equilíbrio entre a transparência patrimonial e a preservação da vida privada.
O que pode ser considerado herança digital?
A herança digital pode englobar diversos tipos de bens e direitos armazenados em meios eletrônicos, tais como:
- Criptomoedas e carteiras digitais;
- Contas em plataformas de investimento ou bancos digitais;
- Arquivos e fotos armazenados em nuvem;
- Perfis em redes sociais e blogs;
- Contas em jogos online.
O inventariante digital, portanto, tem papel essencial para identificar e distinguir o que é patrimônio transmissível e o que deve permanecer protegido por sigilo.
Conclusão
A criação do inventariante digital pelo STJ é uma resposta moderna e necessária aos desafios jurídicos trazidos pela era tecnológica. Essa figura permite a identificação dos bens bens digitais e a transmissão aos herdeiros, sem violar a intimidade do falecido.
Enquanto não houver uma legislação específica, o entendimento do STJ serve como parâmetro para lidar com a herança digital, conciliando o direito à sucessão com a proteção da privacidade.
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